top of page
Buscar

Rua dos Santos, mas nem tantos


Era na Rua dos Santos que a turma se encontrava. A vila era enorme, tinha três quadras e uns vinte prédios espalhados pelo conjunto. Passei minha infância brincando pelas ruas desse bairro. Mas a que a gente mais gostava era a rua dos Santos, uma descida que atravessava todas as quadras.


A gente já brincou de tudo nessa rua. Teve a época das bicicletas, e a turma pedalava o por todo o bairro, depois subia as ladeiras para chegar no topo da dos Santos e descê-la em velocidade.

Teve a época dos patins, e a turma subia os morros patinando, quase morria para chegar lá em cima, só para descer a dos Santos com tudo. Era uma loucura o que a gente fazia. Quase sempre ficava um menino lá embaixo vigiando as travessas para atenuar o perigo, mas a rua era contra-mão, e a qualquer momento um carro poderia surgir pelo meio da vila e nos levar para ver os santos de perto.


Mas a época que eu mais gostei foi a dos carrinhos de rolimã.


Meu avô era mecânico e eu me recordo de passar uma tarde com ele construindo o meu carrinho. O vô explicava cada detalhe da máquina: as rodas de bilha lubrificadas, o caixote de madeira, as tábuas que ele reforçava na frente e atrás. E o freio. O vô inventou o freio no meu carrinho de rolimã, com medo que eu me machucasse. Coisa de vô.


Lembro do barulho das rodas deslizando pelas ruas da vila, lembro do cheiro de queimado que os carrinhos deixavam no asfalto quente, e dos dias de competição, que a gente enchia a rua dos Santos com as nossas máquinas. O menino que ficava lá embaixo dava o sinal que podia descer, e a gente começava a competição assim que ele gritava: “Pode vir!”.


Os carros desciam em zig zag para não perder o controle na baixada. Eu segurava a velocidade no freio e, mesmo com o carro mais rápido, não ganhava. Eu morria de medo da dos Santos. Era uma descida perigosa. Me sentava no carro e ouvia o anjinho da mãe falando no meu ouvido: “Cuidado! Se você se machucar eu te bato”. E eu descia devagar, enquanto a turma se atropelava com os carrinhos.


Eu nunca soube de onde veio esse apelido. Rua dos Santos não era o nome verdadeiro, as ruas da vila não tinham nomes, tinha números.


Desconfio que o apelido tenha surgido das orações que as mães faziam quando saiam para trabalhar e deixavam seus filhos nas mãos dos santos que conseguiam evocar.


Era a rua dos Santos e de nós também, os diabinhos.

bottom of page