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É só pular o muro


Faz uma década que publiquei meu primeiro livro e era isso que eu achava sobre a escrita naquela época, que escrever é fácil. Eu já escrevia há outros dez anos e, nas horas vagas, me divertida com as palavras.


Em livros, eu comecei com um convite de uma editora grande. Nunca tinha pensado em publicar livros. Escrever ainda era uma atividade só prazerosa, que eu exercia como um hobby.


Daí me convidaram e eu topei publicar. Tenho foto da minha primeira noite de autógrafos, foi na cidade de São Paulo. Eu saí de Goiânia para o lançamento. Tudo maior do que eu poderia imaginar. Recordo do espanto quando entrei na livraria e vi uma fila de leitores me esperando para autografar os livros.


Naquela época, comecei a pensar sobre a escrita assim: se eu continuar escrevendo por mais dez anos, quantos livros vou ter publicado? Onde vai estar minha escrita? Hoje eu respondo: tenho oito livros publicados. E a minha escrita ainda está aqui.


Eu pensava nisso pois adorava escrever. Mas não sabia que a escrita, como uma orquídea, precisa de tempo para mostrar suas flores. Aliás, uma vez eu quase joguei minha orquídea fora quando ela ficou por um ano sem flores. Depois ela se abriu e eu aprendi sobre as estações.


No começo eu escrevia como me ensinaram na escola, escondendo minhas cores, copiando outros autores, outras formas. Cumpria as regras, contava as trinta linhas, começava do começo, passava pelo meio e encerrava no fim. Pensava no plot twist, e ele tinha que acontecer no meio da história, como me diziam os profissionais. Eu escrevia com os manuais no colo. E escrevia bem. Tanto é que o primeiro e o segundo livro viraram best-sellers, como os best-sellers que eu tentava imitar.


Eu até sabia que a boa escrita levava tempo. Só não sabia o que viria depois. Só não sabia que eu sabia pouco sobre o que é escrever. Até falava bonito sobre a escrita, mas falava como outro escritor. Não como eu mesmo.


Segui à risca o meu combinado, de escrever por mais uma década, então aqui estou para falar o que aconteceu. Aconteceu que a minha escrita ainda está acontecendo. Aconteceu que eu continuo pensando em outra década. Aconteceu que eu descobri que escrita não tem trégua nem intervalo nem sossego. É movimento.


Se eu já disse o contrário, desculpe-me: mas escrever é difícil.


Por exemplo, hoje eu me sentei aqui no café para escrever essa crônica e, mesmo com duas décadas escrevendo, foi difícil escrever. A verdade é que eu nem estou mais no café, vim para minha casa terminar o texto, e agora já estou em outro café, escrevendo e reescrevendo sobre a escrita. Sem reviravoltas no meio do texto. Aliás, hoje faz dez anos que eu não sou mais usuário de plot twist.


Escrever é além daquilo que eu achava há dez anos, quando comecei a publicar livros. É o que acontece depois que a gente acha que escreve. É o que acontece depois que a gente tenta e não consegue. É o texto seguinte. Escrever é depois. Quem pensa que escrever é agora, dificilmente vai passar de agora.


Hoje eu sei que escrita não é um hobby. É um muro alto que, se você consegue pular, também não consegue voltar.

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