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É preciso fechar os ouvidos para não ser criativo


"É preciso fechar os ouvidos para não ser criativo", pensei nisso enquanto ouvia o casal da mesa ao lado conversar. E se eu escrevesse essa história, ninguém acreditaria. Leia.

Eu estava de férias, em Buenos Aires, tomando um vinho num fim de tarde bonito e frio no Puerto Madero, um bairro nobre da cidade. Mas o casal de brasileiros da mesa ao lado começou a falar alto e eu não consegui mais desgrudar os ouvidos da conversa.

A história começou com a mulher reclamando da fila que havia se formado na porta do restaurante. Ela dizia que não havia motivos para a fila existir, já que a varanda do bar estava vazia. E o garçom tentava explicar que não podia colocar todos para dentro, pois não havia lugar para todos. Ela estava indignada, apontava com as mãos e dizia que ali fora havia muitas mesas. E o garçom, também indignado, explicava que, por conta do frio, as pessoas esperavam por mesas na parte de dentro. Por fim, já sem muita paciência, o garçom disse algo como "Então me dê uma solução!". E ela aquietou-se, não sem antes responder: "Deixa todo mundo entrar".

Depois começou a brigar com o marido. Ela queria drogas, e reclamava que era sempre ela que arrumava as drogas, sempre ela, sempre ela, em Cartagena tinha sido ela, em Curitiba tinha sido ela, e se não fosse ela, eles não usariam drogas. E ele a desmentia, enquanto tomava outra taça de vinho, e dizia que tinha conseguido drogas em São Paulo e que estava curtindo a viagem. Ela não parava de falar em drogas, até chamou o garçom para perguntar se ele não tinha drogas...

Os dois estavam muito bêbados.

Quando, enfim, pediram a conta, mudaram de assunto, foram falar de dinheiro. A conta chegou, ele tirou um bolo de notas do bolso e começou a contar, enquanto ela o filmava. Sim, ela filmava e narrava coisas como "Olha como a gente tem muito dinheiro".

Eu mesmo não acreditava na loucura que estava vendo.

E ainda foram embora dizendo coisas safadas e mesquinhas como "Quando eu chegar no quarto, vou jogar esse dinheiro sobre você e a gente vai transar com as notas sobre a cama".

Enquanto transcrevo a história, parece que estou inventando. Mas aconteceu exatamente assim, enquanto eu comia de forma mais modesta no Puerto Madero.

Se eu tivesse inventado, seria uma história ruim para a literatura. Eu precisaria trabalhar sobre os personagens para deixá-los um pouco mais críveis. Ou mais absurdos (impossível). Mas se por acaso eu quisesse fazer uma crítica à burguesia, eu não precisaria inventar, seria a história perfeita.

Então eu guardo todas as histórias que ouço, vejo, vivo... Um dia elas me servem.

Criatividade para mim é isso. É mais sobre perceber o valor das histórias que acontecem o tempo todo ao redor do que, literalmente, criar.

Criatividade é o que você faz com as histórias que você vive.

O que você faz com as histórias que você vive?

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