Você me sufoca
- Lucão

- 20 de out. de 2023
- 2 min de leitura
Comecei a perceber que havia algo errado quando liguei numa sexta-feira, no fim do dia, e ela não me atendeu. Alguns minutos depois, me retornou para dizer que ainda estava trabalhando. E que eu a sufocava.
Eram sete da noite de uma sexta-feira. Eu só queria saber se a gente ia se ver. Não poderia prever o que ouvi.
Depois dessa conversa, não terminamos. Não houve essa conversa de término. Só o silêncio, que foi pior do que o fim.
Não conversamos mais. O que aconteceu foi que, por um tempo, acreditei no que ela me disse, que eu a sufocava. E nós, que já nos falávamos pouco, mesmo quando estávamos juntos, passamos a nos falar menos. Ela vinha à minha casa, passávamos o fim de semana juntos, saíamos para comer, ver a família, depois íamos para cama, fazíamos amor em silêncio e dormíamos.
Passei a ter medo do encontro. Sentia falta de ar quando a gente se encontrava. Guardava palavras, engolia as histórias que queria contar, como quem abandona uma ideia antes de escrevê-la. Comecei a acreditar que eu era ruim com as palavras.
Parei de falar sobre os assuntos que me interessavam, com medo de sufocá-la. Eu não sabia mais o que era interessante. Não falei mais do meu trabalho nem do dela. Passamos a assistir mais filmes para diminuir os silêncios. Ela ainda deitava a cabeça sobre o meu colo, eu ainda acariciava seus cabelos.
Mas nunca esqueci do que ela me disse, que eu a sufocava. Aquilo me sufocava. Por que uma ligação às sete horas da noite de uma sexta-feira era um sufoco? Perguntava para mim mesmo se tinha algo errado em mim. Mas também passei a me perguntar se ela sabia gostar de alguém. A gente se amava, sim. Mas com qual amor? O meu ou o dela?
Comecei a temer as sextas-feiras. E a gostar das segundas, das despedidas, das distâncias entre nós, dos momentos em que eu voltava a respirar.
Foi numa outra sexta-feira que a gente discutiu, sentados no sofá da minha sala. Foi neste sofá que o silêncio acabou e ela me disse uma coisa confusa: que esperava mais de mim. Na verdade, ela não disse só isso. Disse que se achava meio machista, sim, como quem diz que se achava bonita, sim, e que esperava que eu, como homem, fizesse mais por nós. Disse coisas contrárias ao que eu imaginava. Contrárias a “Você me sufoca”. Um contrário pior.
Nesse dia, eu não era mais seu namorado, mas um outro homem. Uma espécie de pai. Foi como eu me senti. Um pai que não gritava, que não ameaçava fugir de casa quando brigava, que não comprava a relação pagando todas as contas. O contrário do pai que ela tinha.
Eu conhecia esse pai. Ele já havia tentado gritar comigo uma vez. Na segunda, me levantei e fiquei de frente a ele. Eu era maior do que ele quase vinte centímetros. Estávamos numa mesa cheia de mulheres, eu era o único homem. Quando me levantei, parou de gritar e foi para o quarto.
Voltando ao sofá da minha sala, à nossa conversa, aquele foi o dia em que eu percebi onde estava. Mas não foi o dia do fim.
Foi só o começo.






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