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Um dia alegre-triste


Era um dia duro, muito sol, caminhada chata pela beira da estrada. No Caminho tem disso, uns dias bonitos, em meio à natureza, por trilhas cercadas por árvores altas e frondosas, pássaros e silêncio; em outros, ele te leva pela estrada onde os carros passam a mais de cem quilômetros por hora, com buzinas e fumaças. O Caminho repete a vida: um dia alegre, um dia triste.


Foi neste dia duro que decidi seguir pelo trecho mais curto, para encurtar o sofrimento. Entrei à direita na bifurcação, continuei pela estrada de asfalto ao invés de seguir pela trilha. Pela trilha seria mais bonito, mas mais longo. Eu estava enjoado, não era meu melhor dia. Segui pelo asfalto, avistei um restaurante à frente, mirei e entrei. Era um estabelecimento pequeno, não tinha muita opção, mas tinha cerveja e baguetes recheadas com presunto cru e queijo. Me sentei por alguns minutos, bebi minha cerveja e comi devagar a baguete.


Quando terminei, uma peregrina entrou no restaurante de cara amarrada. Procurou por uma mesa livre, não tinha. “Eu já estou de saída, você pode se sentar aqui”, disse a ela. Mas como se não tivesse me escutado, olhou para o outro lado e se sentou na beirada de uma mesa grande, ocupada por outras peregrinas. Eu entendi o receio de se sentar comigo, um homem solitário no Caminho... Então me levantei e fui embora, para deixar a peregrina à vontade.


Cheguei cedo à cidade de Caldas de Reis. Me dei mais conforto nesse dia. Me hospedei em um albergue privado, no centro da cidade, com camas e banheiros melhores. Tomei um bom banho, coloquei uma roupa limpa, uma blusa de frio leve e desci para a rua. Eu estava hospedado numa boa localização, entre a ponte do rio de águas quentes e os restaurantes da rua histórica. Almocei quase na porta do albergue, tomando uma taça de vinho branco, observando os peregrinos que chegavam com os turistas.


Depois do almoço, saí para caminhar, fui na direção contrária dos peregrinos. Foi quando revi a peregrina de cara amarrada. Estava do outro lado da rua, caminhando com esforço. Trocamos um sorriso, diferentemente do que havia acontecido algumas horas antes. Então atravessei a rua e fui em sua direção. Perguntei como estava, e me contou que sentia muita dor em uma das pernas, mas estava feliz por ter chegado. “Precisa celebrar”, comentei. E, antes de nos despedirmos, combinamos de nos encontrar mais tarde no bar perto da ponte.


Cheguei primeiro. Logo, Mary chegou, com outro rosto, animada, com outra roupa, de turista. Tomamos vinho, conversamos por meia hora. Depois Mary reencontrou outro amigo, o Jorge, também espanhol, que se sentou com a gente na mesa. Cinco horas depois, éramos nove peregrinos, cada um de um canto da Espanha, e eu, do Brasil. Havia dois casais, duas amigas que se conheceram no Caminho, Mary, Jorge, eu e uma pilha de afetos sobre a mesa. Contávamos histórias banais, ríamos de tudo.


O Caminho repete mesmo a vida: um dia alegre, um dia triste. Tudo em um dia só.

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