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Um desbunde de sonho


Agora todo mundo sente saudade. E a saudade deixou de ser uma coisa importante. Depois que meu pai me disse isso no meu sonho, eu acordei.


Achei a frase bonita. Achei a frase confusa.


Acordei, mas fiquei na cama por mais alguns minutos, pensando no que ele havia dito, tentando organizar a ideia do sonho, pois o sonho todo, não só a frase dita pelo pai, tinha sido bonito e confuso.


A começar pela idade do pai, ele estava mais novo, com a pele lisa, já bem diferente da pele que tinha quando eu o conheci, há quarenta anos. O pai também estava sentado, com a coluna ereta, ao redor de uma mesa de madeira, uma taça de vinho branco à sua frente, uma roupa alinhada, tudo ali era o oposto das cenas que eu vivi com ele.


No sonho, ele havia chegado de alguma viagem longa, depois de muito tempo distante de mim, e estava ali cumprindo certa formalidade, um reencontro rápido, uma taça de vinho para me ver, dizer algumas coisas, cumprir a tarefa da presença de um pai na minha vida. E isso também não era o meu pai. Meu pai gostava de se demorar comigo.


A saudade, sim. Esse tema na mesa do sonho era o tema do pai. Como ele sentia saudade... Como se emocionava com as lembranças que tinha da vida de antes. De antes de tudo, e de qualquer momento em que estivéssemos. De qualquer amor vivido antes do que o vivido agora. Saudade dos amigos de antes. Da família de antes. Saudade de nossos encontros de antes, de quando a gente se via mais. O pai era a saudade com patas, como diria um outro amigo.


Agora todo mundo sente saudade. E a saudade deixou de ser uma coisa importante. E eu queria voltar no sonho para continuar a conversa, para dizer que a nossa saudade continua importante. Que as saudades dos poemas talvez tenham perdido a força. Mas a nossa, não. Ela é gravitacional, e quanto mais a gente se afasta, mais ela nos traz de volta. A nossa saudade continua importante. Mas essa conversa não coube no sonho.


No fim do sonho, um segundo antes de eu acordar, a gente se abraçou e eu apertei a sua bunda. Quando acordei, também achei isso engraçado, de no sonho eu ter apertado a sua bunda com força, coisa que eu nunca fiz em vida. Talvez, se você estivesse vivo agora, eu apartaria a sua bunda para saber se era mesmo a sua.


Pois outra coisa que eu me lembro bem é que você, definitivamente, não tinha bunda.



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