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Trenheirinhas


Estou há um mês pensando no que levar para o Caminho, nos poucos itens que vou ter que escolher para caber numa mochila pequena de vinte e três litros. Essa é a menor mochila com que já caminhei.


Em outubro vou a Portugal. Passarei o mês todo por lá. Me dei essas férias, que não me dou há anos. Sim, viajo sempre que posso, mas as férias de mês inteiro, faz anos que não experimento. Ando precisado disso, de tirar a cabeça daqui, colocá-la em outro lugar, respirar diferente, ver pessoas e lugares novos, espairecer, descansar do horror que foram estes últimos quatro anos de Brasil. Amo o Brasil, mas esse capitão foi demais.


Voltando à viagem, escolhi Portugal e decidi que os primeiros dez dias de passeio vou fazer caminhando pela rota peregrina do Caminho português. Lá vou eu outra vez caminhar, como meus amigos dizem sobre mim. Sim, lá vou eu outra vez conhecer gente diferente, descobrir os cenários do interior de Portugal, passar perrengue, sentir dor nas pernas e criar memórias que vão me deixar saudoso de novo. E depois, escrever mais sobre o Caminho, como faço desde que me embrenhei pela primeira vez na peregrinação. Não me parece má ideia.


Mas, voltando, desta vez decidi caminhar com uma mochila menor. Praticamente, é a metade do tamanho da mochila que levei nos dois outros anos em que peregrinei. E isso está me deixando ansioso e empolgado. O que será que vou levar? O que será que vou deixar?


E viver não é isso também? Fazer escolhas, escolher o que carregar, mas também o que deixar para trás?


O Caminho me fez pensar constantemente sobre as simplificações, pois no fim da jornada o que mais aprendi é que se vive melhor quem consegue carregar menos pesos. Voltei dos dois anos desfazendo de objetos da minha casa, de roupas, de calçados, de livros, de pessoas...


Mas aí os anos passam e a vidinha se acomoda outra vez. Claro, num lugar um pouco melhor, mais simples, mas ainda viciada no consumo, no acúmulo de bens, nas trenheirinhas... É assim que se fala na minha terra sobre as coisinhas dispensáveis, as trenheirinhas. Estou cheio de trenheiras em casa, estou cheio de trenheiras na vida.


Moro em um apartamento pequeno em São Paulo, de um quarto só, uma cozinha estreita, um banheiro menor. Mas a vida cabe. E ainda tenho trenheiras, como copos demais, panelas demais, roupas e malas e caixas... Itens que eu pouco usei ou nunca trisquei, à espera de alguém ou de um dia que nunca chega. Até penso em me mudar para um apartamento maior, para ter mais espaço. Mas também penso que estou ocupando com trenheirinhas demais os espaços que tenho.


A mochila de vinte e três litros é a vida que eu quero. Mesmo sendo difícil escolher o que vai na mochila e o que fica.


Daí me lembrei de outra coisa que o Caminho ensina. Os itens da mochila não precisam ser os mesmos sempre. Eu já troquei livros que levava por outros de outros peregrinos. Por que não trocaria as roupas, os calçados, as ideias, as pessoas?


Está na hora de desfazer as trenheirinhas outra vez. Essa mochila, tão pequena, está me dando um trabalho gostoso demais.


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