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Tem um cachorro caramelo deitado no jardim


São Paulo não tem bairro.


Quando me mudei para cá, achei estranho isso. Eu sei que aqui tem bairro, mas se você buscar um endereço num aplicativo ou enviar uma correspondência a alguém, não importa o bairro. Basta escrever o nome da rua e o número. Ou seja, tem bairro, mas não tem.


Achei frio. Uma cidade tão grande, com tantos lugares para ir, não precisar dos bairros para chegar. Nas conversas com os amigos daqui, também percebo essa história de São Paulo não ter bairro. “Onde você mora?”, “Na Angélica”, e Angélica não é um bairro, é uma rua. Numa cidade como essa, uma rua ter tanta importância e o bairro não, soa triste demais.


Venho de cidade grande também, de Goiânia, mas por lá é um pouco diferente. Você mora numa rua, mas que fica em um bairro. Porque no outro bairro pode ter outra rua com o mesmo nome. Os bairros são muito importantes. Se te perguntam “Onde você mora?”, você diz primeiro o bairro, “No Parque Amazônia”. Nós só falamos da rua na intimidade, quando a pessoa quer te visitar, aí você passa a rua, o número, o apartamento, o tipo de vinho que gosta...


Moro há dois anos em São Paulo e ainda não me acostumei. São tantas as ruas, que me recuso a saber dos lugares só pelos nomes impressos nas placas das esquinas. Eu quero saber dos bairros e das pessoas que moram neles. Quero ver se elas têm vizinhos, se o bairro tem comércio, padaria e farmácia. De onde vim, se você mora num bairro “tal”, você é assim. Se mora n’outro, é assado. O bairro diz sobre a personalidade da pessoa. Por isso eu também quero ver os cachorros. Tem o bairro dos cachorros “Caramelo”, tem os da “Lulu da Pomerânia” e dos “Goldens”. As raças dizem muito sobre as pessoas que moram ali.


“Se quiser saber sobre um povo, pergunte em qual bairro ele mora”. Se isso ainda não é um ditado, deveria.


Em São Paulo, abri minha loja online para vender meus livros independentes para todo o Brasil. Recebo pedidos de muitas cidades do país. Mas o que mais gosto de receber são os das cidades pequenas que, normalmente, vêm com o endereço completo e um ponto de referência: “Rua Antônio Carlos, número 7, bairro Jundiaí (Casa com portão cinza gradeado, tocar campainha duas vezes, por favor)”. Adoro quando o endereço vem assim, com uma referência, que é o mesmo que um pedido de “Não erre, insista na campainha, quero muito receber seu livro”. É assim que leio estes pedidos, pensando no porquê de a pessoa colocar tanta informação. E só pode ser para que o livro realmente chegue.


As referências são melhores que os GPS dos smartphones. Outro dia recebi um pedido que me fez entrar na casa da pessoa só pelo logradouro. “Rua Constantino Albuquerque, quadra 3, lote 6, casa 2, bairro Conselheiro de Deus (entrada com portão marrom vazado, tem um cachorro caramelo deitado no quintal, é dócil)”. Dá para ver o cachorro deitado, esperando o carteiro, no lugar exato do endereço descrito no envelope. Nesse lugar, tenho certeza de que o meu livro chega.


Já em um endereço sem bairro, só com o nome da rua e o número, pode ser que o livro se perca. E chego a ter dúvida se, de fato, nesse endereço mora alguém.

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