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Tchau, Patrick


Digo que gosto de filmes franceses e a cena seguinte é de uma mulher correndo atrás de um jumento chamado Patrick.


Desde jovem que gosto de filmes. Cresci numa cidade com poucas opções de cinema, mas me lembro de uma locadora de filmes em VHS que ficava no Centro da cidade, que tinha uma sessão inteira dedicada a filmes europeus. Eu gastava horas escolhendo os filmes que iria assistir no fim de semana.


O prazer começava na locadora, passando a mão nas fitas, vendo as fotos dos trechos dos filmes — que ficavam na parte de trás das fitas —, lendo as sinopses... Depois eu levava a fita para o caixa, que registrava a locação numa ficha de papel, ia para casa e escolhia os momentos para assistir aos filmes. Dois no sábado e um no domingo? Os três de uma vez?


Assistir a um filme era um acontecimento que durava mais do que o filme. Porque também tinham as fitas e os tocadores de fitas. Tudo tinha que funcionar para o filme acontecer. Às vezes o aparelho de VHS não funcionava. Ou o controle estragava. Ou acabavam as pilhas. E tinha que sair para comprar novas pilhas. Só depois tinham os filmes.


Acabei me perdendo do assunto que queria escrever, os filmes franceses. Especialmente sobre este, do Patrick, da cena final em que a protagonista sai correndo pela mata atrás do jumento que a acompanhou por dias na peregrinação. Ela queria se despedir do Patrick, que estava voltando para casa, para caminhar com outro peregrino.


Daí me lembrei de outro acontecimento em minha vida. Eu ainda não tinha dez anos quando desenvolvi uma alergia de pele, que os médicos chamavam de “urticária de contato” ou “dermografismo”. Minha pele irritava com qualquer toque. E também inchava, provocando um pequeno relevo no local do toque. Depois voltava ao normal.


No começo, eu me incomodava, pois coçava e me constrangia. Eu não podia passar a mão no rosto que, onde a mão tocava, a pele ficava vermelha. Isso me envergonhava, pois as pessoas sempre comentavam e queriam saber o que eu tinha feito no rosto, mas eu não tinha feito nada, não era nada. Era só a alergia. Eu beijava na boca e onde havia contato físico, a pele reagia. Depois do beijo, eu ficava com o rosto avermelhado. A reação não durava mais do que dez minutos, mas me deixava sem graça e mais tímido.


Daí fui me acostumando e me esquecendo que tinha o dermografismo. Me lembrava quando as pessoas comentavam, mas não me constrangia mais. Eu até brincava, usava para fazer graça, escrever o nome da paquera no braço, ver as palavras surgirem em relevo, sentir a mão da menina alisando a pele onde eu havia escrito seu nome...


Na semana passada me lembrei da alergia e fui fazer uma graça, como fazia antigamente. Escrevi um nome no braço, mas onde eu risquei não reagiu. Fiz de novo e nada de vermelhidão. Então fiquei triste.


Recordei que há um mês me tratei de uma rinite alérgica usando antialérgico contínuo. E pode ter sido isso. O remédio pôs fiz à graça que eu carregava há mais de duas décadas.


Fiquei o dia todo amoado, triste. Um pedaço de mim havia ido embora.


Eu não pude me despedir de Patrick.

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