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Sou da paz, mas não sou Gandhi


Minha primeira briga na vida aconteceu quando eu tinha dez anos. Eu estudava em uma escola que se chamava Vovó Paulina. E briguei no quintal da vovó.


Eu não sabia que estava brigando. Jogávamos bola na quadra da escola, no intervalo da aula, quando dei um “carrinho” no meu melhor amigo. Ele caiu, chorou, depois veio correndo para cima de mim. Foi aí que, num reflexo, fechei meus olhos e levantei meu pé direito. O peito do meu amigo acertou o meu pé. O Paulinho caiu feito uma jaca no chão. Não chorou mais, ficou sem ar por um tempo, se levantou e voltamos abraçados para a sala de aula de aula. Depois fomos embora juntos, morávamos no mesmo bairro. Antes de nos despedirmos, fiz ele me prometer que não contaria para sua mãe que o pé tatuado na camiseta era o meu. Eu tinha medo de nunca mais comer bolo na casa do Paulinho.


Eu também tinha um pouco de medo de morar nesse bairro. O bairro era uma graça, eu adorava o Vila Verde. Eram mais de trinta prédios aglomerados numa pequena vila, cheia de crianças brincando na rua. Eu andava de carrinho de rolimã, jogava bola, fazia casa na árvore... Mas quase todo dia alguém da minha idade aparecia com o nariz sangrando. Tinha uma gangue de meninos que nos ameaçava, roubava nossas bolas, corria atrás da gente gritando que ia nos bater... Nesse bairro eu nunca apanhei a ponto de sangrar o nariz, mas já tomei tapas na cara de um dos moleques da gangue. Foi quando pedi para o pai me colocar na academia de artes marciais. E o pai, que não sabia nada de luta, me colocou no Karatê. Eu queria aprender a bater como os meninos da rua faziam, mas aprendi a ter disciplina, a não revidar, a respeitar os adversários...


No fim, me dediquei ao Karatê. Eu e meu irmão gêmeo gostávamos de treinar. Ganhamos muitos campeonatos. O Henrique gostava do Kata, das apresentações de movimentos sem contato com adversários; e eu, do Kumite, das lutas. Mas era comum irmos juntos às finais nas lutas. Eu costumava ganhar do Henrique, que tinha medo de lutar. Daí, no campeonato estadual, quando chegamos à final, chamei o Henrique num canto e disse: “Vou pegar leve”. Ele acenou positivamente, colocou devagar o capacete, o colete, as luvas, e quando o árbitro apitou, o Henrique me encheu de porrada. Lembro da minha mãe na arquibancada gritando para o Henrique parar enquanto eu apanhava. Ele venceu. Fiquei puto, prometi nunca mais pegar leve, mas não deu tempo.


Pouco tempo depois, fomos treinar para o campeonato brasileiro, com um professor mais jovem. Foi num treino de luta, no final da aula, que o professor acertou o meu rosto. Minha boca sangrou, eu fiquei nervoso, e quando ele se virou de costas, eu corri em sua direção, preparei um chute, mas o mestre me viu pelo espelho e se esquivou. Eu caí no tapete, limpando a boca e chorando. Depois, fomos ao Rio de Janeiro disputar o campeonato brasileiro. Eu terminei a competição em segundo lugar, mas a minha alegria foi ver nosso “mestre” apanhar. Terminou o campeonato com a boca sangrando. E eu o vi chorar no ônibus na volta ao hotel. Foi quando decidi parar, depois da vingança.


Não sinto orgulho de contar sobre essas brigas. Eu não sou de brigas. Nunca briguei. Eu sou da paz.


Mas não sou Gandhi.


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