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Salpicar desconfortos

Nos conhecemos na festa de casamento de dois amigos do meu irmão. Dois amigos gays que não puderam se casar na igreja, então alugaram um espaço e comemoraram a união com uma festa à fantasia.

 

Eu não era um convidado direto, mas fui a convite do meu irmão mais velho. Nessa época, eu ainda morava com ele. O apartamento era dele. O meu, eu havia abandonado para viver fora do país com uma ex-parceira. Uma outra história.

 

Então, depois que me divorciei, fui morar com o irmão, só por um tempo, no apartamento dele. Assim fui parar nessa festa, um convidado do convidado. E que mal conhecia alguém.

 

Eu e ela nos conhecemos nessa festa à fantasia. Eu, sem fantasia, sobre nada, nem sobre uma nova relação. E ela, como ela mesma disse, de bruxa. Mas não era uma bruxa. Ao contrário. Foi assim que puxei a conversa, tentando fazer essa graça com a beleza da bruxa. Mas não me lembro qual graça. Eu já estava bêbado. E ela também. Tanto é que rapidamente nos aproximamos. Ficamos por bem pouco tempo conversando e rindo e fazendo coisas bobas que duas pessoas bêbadas fazem quando querem se pegar.

 

Quando me aproximei um pouco mais, ela me puxou para fora da pista de dança, me levou para um outro ambiente, isolado, e ali nos beijamos por um tempo, que eu não sei dizer quanto. Mas foi até o meu irmão aparecer. Talvez meia hora. Talvez mais de horas. Quando apareceu, fez alguma outra graça, falou qualquer coisa que eu não me lembro, mas no fim disse claramente que já estava indo embora. Isso eu entendi. Então eu fui com ele.  

 

Foi assim, bem rápido, o primeiro encontro, com poucas lembranças e não tão claras. Bebemos muito. E ainda experimentamos o bolo do casamento, que o casal fez questão de avisar que havia sido feito com maconha. Mas tem uma coisa que me lembro bem. Antes de ir embora, pedi o telefone dela. Ela ditou para mim, eu o anotei no meu aparelho e, no outro dia, quando tentei mandar uma mensagem, o número não existia.


Entre a gente sempre teve alguma coisa desconectada, inexistente, como esse número de telefone. Posso contar sobre isso hoje olhando para cada momento da nossa história. Mas o meu sentimento naquela época era que o nosso jeito era aquele e que o desconforto era bom, sim. Me machucava um pouco, me incomodava, me deixava inseguro, mas eu pensava que era assim mesmo, que para gostar de alguém de novo, depois de tentar outras vezes, deveria ser assim mesmo, com pequenas salpicadas de desconforto.

 

Tem outra coisa que fiquei sabendo depois sobre aquela noite. Foi ela mesma que me contou, com um mês de namoro. Me disse, como quem conta uma banalidade, que não se lembrava de tudo daquela festa, mas que se recordava que depois que eu fui embora, ela ainda havia se pegado com outro. Com um colega do trabalho. Me contava e ria, me convidando a rir com ela.

 

Falava como se me contasse uma fofoca de uma amiga. Ou como se tentasse me causar um pequeno desconforto. Eu ri. Naquele momento eu ri. Mas aquilo não me fez bem. Me deixou inseguro. E um pouco triste. Mas isso eu tive que esconder, pois eu ainda achava que era coisa minha, que eu que devia lidar com essa insegurança. Era coisa minha. Não dela. O amor era isso, o desconforto também.

 

E isso eu notei que ela sabia fazer bem, salpicar desconfortos em nós.

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