Salão de memórias felizes
- Lucão
- 1 de nov. de 2024
- 2 min de leitura

No restaurante, em Vilarinho, tinha fotos dos irmãos gêmeos por todas as paredes. E elas contavam uma história só: a dos gêmeos felizes.
Nas fotos eles se abraçavam e riam com — o que imagino que fossem — moradores, clientes fiéis e celebridades da região que passavam por ali. Os gêmeos eram os proprietários e a atração do lugar, eu pensava enquanto olhava para cada uma das fotografias emolduradas nas paredes. Em todas, absolutamente todas, eles pareciam gêmeos felizes que não brigavam. Como eu e o Henrique éramos para as pessoas que nos viam pelas fotos: os gêmeos felizes que nunca brigavam.
Fazíamos graça com as semelhanças, com as diferenças, mudávamos de lugar antes de tirar a fotografia, ensaiávamos poses ao lado das namoradas, dos amigos, armávamos uma cena divertida para as lembranças que queríamos guardar. Depois seguíamos, cada um da fotografia, para as suas vidas reais.
Como os gêmeos do restaurante, não emoldurávamos as tristezas.
Enquanto observava as fotos no salão, reconheci um dos irmãos andando entre as mesas. Ele não estava tão sorridente como nos registros das paredes. Estava mais emborcado, mais triste. E estava sozinho.
Foi nessa hora que chorei.
Era o meu primeiro dia de caminhada, realizando uma vontade de refazer o Caminho, dessa vez por Portugal. O corpo, forte; a mochila, leve, como se carregasse nela só um álbum pequeno de fotos dos momentos felizes. Mas já no primeiro dia eu falhei e chorei. Chorei com um peso a mais que eu não sabia que carregava. Há tristeza na alegria.
Na manhã da missa de sétimo dia da morte do pai, me lembro da briga que tive com o meu gêmeo: de como ele estava cansado, igual ao gêmeo do restaurante; de como estava pesado para ele cuidar dos papeis, da madrasta, da memória dos últimos instantes com o velho; de como ele chegou perto de mim com os punhos fechados, como se fosse me dar um soco no peito; de como eu o encarei de volta com o peito alto, pronto para me defender, pronto para revidar; de como a gente estava triste no apartamento dele.
Naquele dia a gente não fez uma foto alegre. E, agora, a única lembrança que tenho do sétimo dia, para mim, pesa mais do que todos os álbuns de fotos felizes que poderíamos guardar.
Chorei de saudade.
Mandei mensagem para ele ainda do restaurante: você tem aquela foto que tiramos na casa do pai? Uma em que a gente se abraça de rosto bem perto até quase se beijar? A que a gente está rindo bonito um para o outro, você tem?
Foi o gêmeo que tirou meu prato da mesa. Depois, trouxe a conta, puxou uma conversa, perguntou do Caminho, de onde eu vinha, de como tinha sido o primeiro dia. Eu perguntei do irmão dele, ele disse que estava na rua, mas logo chegava. Paguei a conta e me levantei.
Também foi o gêmeo que me enviou a foto de rosto colado, e depois perguntou como estava a viagem, me mandou palavras de ânimo e pediu mais notícias.
Paguei a conta e saí, enquanto eu pendurava nossa foto no salão de memórias felizes que eu reabria naquele dia.
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