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Quase igual, mas diferente


O caminho é difícil. Eu sempre digo isso aos que querem fazê-lo. Mas também digo que o caminho é gostoso demais. Pelos encontros, as amizades, as paisagens, as dores, os vinhos, as comidas... Não posso começar a contar, que me lembro de muitas histórias.

Ontem, tomando um vinho com minha parceira, me lembrei da última noite do Caminho Português, que fiz em 2022. Era a minha terceira vez na peregrinação. Foram dez dias de caminhada pelo Caminho Central. E me sentia um veterano ao lado dos outros peregrinos.

Lembro-me que jantávamos e tomávamos vinho em um bar, numa mesa escura de plástico, com o Jorge à minha frente, a Mary ao meu lado esquerdo, a Maria e Belle à minha direita, todos espanhóis. Estávamos conversando e relembrando os últimos dias, com as histórias divertidas que cada um contava. Foi quando lancei a ideia de fazermos o último dia do Caminho na madrugada. Você é louco, foram os primeiros comentários. Mas não demorou para a turma se empolgar comigo. É nosso último dia, eu repetia. Vamos fechar com um gran finale. E ainda chegaremos cedo a Santiago. Animaram-se todos, menos Mary, que estava machucada e não podia mais caminhar.

Essa ideia não foi, originalmente, minha. Eu me inspirei no meu amigo Carlos, da Espanha, um companheiro de peregrinação de 2017, quando fiz os 820 quilômetros do Caminho Francês. Foi ele que, no último dia, reuniu os amigos e propôs que caminhássemos na madrugada. Ninguém quis ficar de fora. Então, na tarde do dia anterior, saímos para comprar os mantimentos, comidas e água, para levar na caminhada noturna. Não encontraremos café aberto, Carlos dizia, precisamos levar nossas próprias comidas. Seriam mais de 6 horas de caminhada. Mas assim também chegaríamos cedo a Santiago.

No fim, deu certo. Naquele Caminho, saímos em um grupo de quase dez pessoas. Quanto mais nos aproximávamos de Santiago, mais nos desmembrávamos do grupo. Cada um queria chegar do seu jeito, com as suas lembranças, dores e emoções. É uma chegada longa. Você precisa cruzar toda a parte nova de Compostela até alcançar o centro histórico e depois a praça da Catedral, o fim da caminhada, onde as centenas de peregrinos se reúnem.

Foi com essa lembrança que, em 2022, propus que caminhássemos na madrugada. Mas só quando nos encontramos às 3h da manhã na praça de Padrón, em meio a uma garoa fina que caía, que me lembrei da comida e da água. Eu havia me esquecido dessa parte da ideia do Carlos, a preparação. Então essa virou nossa graça e dor daquele dia, a de caminhar sem água e comida por mais de 3h, até encontrar um café aberto.

Com muito esforço e graça, perto das 7h da manhã achamos um café de beira de estrada. Comemos o que precisávamos para chegar. E compramos biscoitos para levar. Vai que não tem mais café pela frente?

O resto daquele dia foi quase igual. Nos espalhamos na chegada, cada um no seu passo, na sua dor e emoção. À noite, na cidade, saímos para beber e eu dormi sobre a mesa do bar. Fui filmado pelos amigos peregrinos. E foi com esse vídeo no meu celular que, ontem, me lembrei dessa história.

Quase igual à primeira, mas diferente.

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