Não gosto da ideia de que a escrita cura.
Mas entendo que, assim como dar uma volta na quadra, respirar fundo três vezes, socar uma parede e escrever um diário podem ajudar a acalmar os ânimos.
Mas escrever, na verdade, é uma atividade que dói e cansa. Como um placebo, é um trabalho que, além de não curar, tem efeitos colaterais fortíssimos.
Acabei de terminar o nono livro da minha carreira literária. Meu segundo romance, uma narrativa de ficção longa. Uma história que nasceu de conversas que tive com minha mãe sobre memórias profundas da nossa família, situações duras que eu só soube quando cresci. E o romance começou a nascer quando a mãe me contou sobre os dias em que as facas voavam na casa da vó.
Foi duro escrever esse novo romance. Foi difícil pegar a história e fazer brotar dela uma trama, um enredo, personagens, cenários, e costurá-los como minha avó fazia, com linha e mãos pacientes, um a um.
Passei 6 meses escrevendo a nova história. Depois, mais 3 meses com as releituras, os ajustes, a reescrita de alguns capítulos, a exclusão de outros.
Quando terminei, tive que rever tudo que passei a pensar sobre a minha família. Comecei a acreditar no que eu havia escrito, nos homens ruins que nasceram da trama, no personagem que narra orgulhosamente seus feitos machistas, nas transas, nas viagens. Foi difícil voltar aos meus pais amorosos. Tive que revisitar as memórias boas que tenho deles para sair da história do livro.
Escrever literatura, na verdade, é duro e perigoso. É preciso estar bem acordado de si para atravessar as histórias difíceis que um texto bem arranjado pede, é preciso dominar as emoções para conseguir colocar no papel as tensões que a trama merece.
Por isso, volto a repetir que escrever não cura. Escrever, na verdade, dói e cansa. Um cansaço que só pode ser descrito por quem já percorreu maratonas inteiras mais de uma vez.
E quem já percorreu maratonas inteiras sabe: ao final, depois da dor e cansaço, sempre bate a vontade de correr uma outra. E outra. E outra...
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