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Ovo frito por cima


Já havia me organizado para escrever uma crônica sobre a burrice.


Pretendia expor uma situação que aconteceu comigo no último fim de semana. Uma ameaça de violência que recebi pelas redes sociais, de um jovem desinteligente. Salvei os áudios, tirei print, estava pronto para abrir um B.O. Mas no dia seguinte, recebi novos áudios do garoto arrependido, me pedindo perdão. Eu estava pronto para escrever sobre isso...


Mas antes de me sentar para escrever, fui jantar. Peguei o que sobrou do almoço e esquentei. Uma panelinha. Para quem não sabe o que é panelinha, é uma mistura de arroz com carnes e verduras, tudo feito na mesma panela. Por isso o nome. Comida típica da minha terra. Então esquentei a comida e finalizei com um ovo frito por cima. Foi aí que me lembrei do meu pai, que adorava o ovo frito por cima.


Os almoços de sábado na casa dele já tinham virado tradição. Era sábado com o pai, domingo com a mãe. Mas o almoço na casa do velho começava antes do almoço, durante a semana, quando ele nos ligava, um a um, para combinar o encontro. Ligava para o Rodrigo, depois para o Henrique e para mim. E, de mansinho, ia convencendo os filhos a estarem em sua casa no sábado, pontualmente ao meio-dia.


Quando um dizia que não podia, o pai voltava a ligar, mais tarde ou no dia seguinte, para convencer a ir. “Vai ter frango”, ele dizia como se o frango fosse o evento do ano. É verdade que não era qualquer frango, era frango caipira, que o pai escolhia de um produtor de “frango caipira de verdade”. E se eu insistisse em não ir, o pai usava a carta que guardava na manga: “A Aline vai fazer sorvetão”.


A Aline era sua esposa, minha madrasta, que amava a cozinha. E eu amava os doces da Aline. O sorvetão era uma espécie de bolo com textura de sorvete, feito de chocolate e uma calda que, mesmo depois de ir ao freezer, escorria pela forma. O pai sabia usar as armas que tinha. E eu quase sempre cedia.


O pai também sabia cozinhar as comidas que gostava de comer. Me lembro de nós pequenos, em outra casa, comendo cachorro-quente feito pelo pai. Ele comprava um saco de tomates e ficava a tarde fazendo o molho. Depois comprava os pães, maionese, ketchup, milho e batata. Abria um refrigerante e a gente comia o tanto que conseguia.


O bife a cavalo era o pai que fazia, outra carta que ele tinha. Quando sabia que estávamos na dúvida de ir, dizia pelo whatsapp: “Vou fazer bife a cavalo”. Depois emendava: “Com filé mignon”. E a gente ia. Ele fritava dois ovos para cada um, fazia arroz, batata frita e salada. Enchíamos o “pandú”, como ele dizia, e depois continuávamos a tarde com ele, bebendo cerveja, ouvindo música, proseando na varanda.


Lembrei disso tudo enquanto comia minha janta, requentada do almoço, com um ovo frito por cima. Lembrei enquanto organizava as ideias para escrever sobre o ódio do jovem bêbado. Um rapaz que ainda sabe pouco sobre o amor.


Me lembrei do amor que eu recebi e aprendi a dar. Um amor que não acaba, que esquento e sirvo em minha casa todos os dois.


E que ainda finalizo com um ovo frito por cima.

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