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O poema, a poesia, o casamento e o amor

Como é difícil definir a poesia. Como é custoso explicar o amor.


O poema é fácil: é a estrutura, os versos, as estrofes, as rimas e não rimas. É o texto que tem forma, tem classe, tem jeito de poema, e que, visualmente, só se parece com ele mesmo.


O casamento também é fácil de definir: são as formalidades, as convenções e os contratos que se cumprem com outra pessoa.


Já a poesia e o amor são outras coisas.


Talvez seja isso que afaste as pessoas da poesia, essa ideia de que ela seja um texto com estrutura rígida, como de um poema. Talvez seja isso que afaste as pessoas do amor, os contratos e as convenções. Mas a verdade é que a poesia não tem nada a ver com a estrutura. E que o amor não tem nada a ver com o casamento.


Quando Adélia Prado escreveu que “A borboleta pousada / ou é deus / ou é nada”, estava brincando de fazer poesia. Adelia me fez recordar da infância, do quintal do prédio onde morei nos meus primeiros anos de vida. Quando chovia, o mato do jardim crescia, e apareciam as borboletas. E a gente só percebia que elas estavam no jardim quando andávamos pela grama alta e elas batiam as asas e fugiam. A cena era bonita: as borboletas disfarçadas de mato voando ao redor de nós. Era um instante divino.


Foi assim, lendo os versos de Adelia, Quintana e Manoel de Barros que passei a ver poesia em tudo: nos filmes, nas músicas, nas paisagens. A poesia é uma imagem com vários sentidos. O poema é um texto em forma de versos.


No amor é igual. Há amor em tudo. Não só no casamento ou no namoro, mas nas esquinas, nas viagens, nas incursões que fazemos para dentro de nós mesmos. Com certeza há muito mais amor do lado de fora do que dentro de uma relação a dois.


Me lembrei de alguns namoros que vivi, vazios de amor. Eles explicam bem o que é o poema, a poesia, o casamento e o amor.


Eu já pulei o muro de uma casa para tentar encontrar o amor, mas o amor não estava.


Tive uma namorada que dizia que trabalhava demais. Normalmente acontecia aos finais de semana, quando ela desaparecia em meio a tanto trabalho e a gente só voltava a se ver na segunda. Também dizia que tinha problema de saúde e, constantemente, desmaiava e ia parar no hospital. Eu acreditava no amor.


Descobri que a gente não se amava quando, num desses sumiços, ela não atendeu ao telefone, não respondeu às mensagens e comecei a pensar no pior. Então corri à sua casa, toquei o interfone e ninguém respondeu. Me desesperei de imaginar que ela pudesse estar desmaiada. Pedi socorro ao vizinho e só fui entender que o amor não estava quando pulei o muro e vi que o carro dela também não estava. Só aí entendi que ela não estava e que nós dois também já não estávamos.


Terminamos. Depois me contaram que ela saia com a turma e bebia até passar mal. E quase sempre ia parar no hospital. Não era excesso de trabalho. Era excesso de bebida com escassez de amor.

A história parece triste, mas não é. Acho graça de lembrar que acreditei no amor como quem acredita na poesia e vive a poesia e vê as borboletas divinas de Adelia.


E, também, como quem demora a entender que alguns poemas não têm de poesia, como alguns casamentos e namoros são vazios de amor.

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