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Novo natal




Era o vô quem organizava os natais na nossa família. Era ele que ligava para os filhos, convocava os netos, espalhava as notícias dos pratos gostosos que estava planejando para a ceia. Era o vô que ia cercando a família e garantindo, um a um, a presença de todos na noite do Natal, em uma época em que eu ainda recebia presentes.

 

Depois que o vô Miguel morreu, a vó passou a cumprir a função de convocar os parentes para a ceia, com a ajuda das filhas. Ia chegando o Natal, ela começava a falar das comidas, pedia para que cada um trouxesse um prato, falava do amigo secreto... Então a mãe preparava os papeis, a gente tirava os nomes, depois repetia o sorteio porque uma tia havia tirado o seu próprio nome. Na noite da ceia, ainda rezávamos, comíamos e revelávamos o amigo secreto. Os presentes, cada ano eu ganhava menos.

 

Quanto mais os netos cresciam, mais o Natal ia minguando. Cada ano menos gente se reunia ao redor da vó. Menos presentes eram colocados no pé da árvore. Até o pinheiro ficava menor.

 

No ano em que a vó adoeceu, a família mal apareceu. Na noite do Natal, só minha mãe, minha tia e meus dois irmãos se juntaram presencialmente para a ceia. Eu mesmo não pude ir, pois já morava em São Paulo e, com a pandemia, foi melhor não arriscar. Foi um Natalzinho.

 

Em 2021, me organizei para ir. Comprei as passagens com antecedência. Eu não passava o Natal com a família há alguns anos. Mas na véspera do voo, minha ex-companheira pegou Covid e fiquei preso em casa. Cheguei a tempo para a virada do ano, mas atrasado para a tradição.

 

Foi logo depois da virada, no fim de janeiro, que a vó faleceu, e então botou fim ao Natal ao redor dos avós.

 

No ano passado, não fui. Fiz um Natal a dois, com minha nova namorada, no meu antigo apartamento em São Paulo. Eu e a família nos falamos por videochamada. A mãe havia organizado o Natal, meus irmãos participaram, e também uma tia, outra prima, uma neta, um primo que estava distante... Foi uma espécie de recomeço da história. Até o amigo secreto, que havia sumido da família, apareceu.

 

Neste ano, em 2023, me mudei e hoje moro num prédio que, já em novembro, encheu o jardim de luzes coloridas. Fazia tempo que eu não via um Natal tão iluminado. Também garanti minha passagem, vamos nos reunir todos na nova casa do irmão, a nova sede do Natal. A mãe é a nova vó da família. A Bia, a nova neta. Nós, os antigos netos, agora somos os novos tios, e estaremos juntos ao lado das duas novas tias-avós, as irmãs da minha mãe. Também nos agruparemos a outra família de amigos próximos, numa espécie de novo natal.

 

Tenho pensado na noite da ceia, nesse pretexto que inventamos para nos ver. Falamos das comidas no grupo do whatsapp, uma conversa rápida e prática, como se a comida e os presentes já não importassem. Aliás, ainda não falamos sobre o amigo secreto. Talvez, com tantos amigos presentes, os secretos nem precisam aparecer. Veremos.

 

Os presentes, neste ano, também não devem aparecer como apareciam antigamente. Ao invés dos presentes, neste Natal vamos reinaugurar as presenças.

 

As mesmas que o vô convocava sem pressa, uma a uma, até que todos viessem.

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