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Notícia divina

  • Foto do escritor: Lucão
    Lucão
  • 30 de nov. de 2023
  • 3 min de leitura

Foi pelo telefone que tinha na casa dos padres que eu fiquei sabendo que minha irmã havia nascido.

Eu cresci em um tempo em que os celulares ainda não existiam. E para a gente se falar mais rápido, precisava de um orelhão ou de um telefone fixo em casa. Os telefones fixos eram caros. Poucas pessoas tinham telefones em casa. Até o meu pai, que no nascimento da minha irmã já tinha uma condição financeira melhor, ainda não tinha um telefone em casa.

Naquela época, meu pai morava em uma cidade no interior do Estado, em uma casa vizinha à dos padres da paróquia. A casa ficava em frente à praça central da cidade, onde também ficavam a igreja e a escola católica. Aos domingos, no dia da missa, como ainda acontece nas cidades daquele porte, a praça se enchia de famílias, pipoqueiros e comadres que, depois da missa, ainda ficavam por horas se atualizando sobre a vida dos outros. Eu adorava aquela casa.

Meus pais já haviam se separado há alguns anos. E foi naquela época, quando a mãe engravidou, que começamos a ouvir coisas tristes sobre a nossa família. Primeiro diziam que família de pais separados não era família, que mãe solteira não conseguia criar filhos sozinhos e, muito menos, podia engravidar de novo.

Minha mãe estava de oito meses quando decidimos passar o fim de semana na casa do pai. Pelas previsões, daria tempo de ir e voltar sem perder o nascimento da Gabi. Então fomos, nos divertimos, viramos noites jogando videogame e comendo cachorro quente que o pai fazia. Nos esquecemos da gravidez, como qualquer criança esqueceria enquanto se divertisse.

Foi nesse vão, do esquecimento, que o telefone na casa dos padres, vizinha à casa do pai, tocou. Foi nesse hiato da nossa memória que um dos padres abriu o portão, que ficava no fundo da casa do pai e ligava os dois lotes, e gritou pelo Candinho. Eu me lembro desse grito, de alguém chamando o meu pai, dizendo que tinha uma ligação importante para ele. Me lembro do pai voltando da casa dos padres com um sorriso no rosto, nos procurando para contar a notícia divina, a mais gostosa que eu já havia recebido. A Gabriela nasceu, ele disse. Então eu e meus irmãos imediatamente largamos o que fazíamos para arrumar as malas e pegar a estrada de volta. Estávamos ansiosos, inclusive o meu pai, para ver a Gabi e minha mãe.

Duas horas depois daquele telefonema, estávamos na capital, na porta da clínica onde minha mãe havia dado à luz. Entramos com os olhos arregalados, procurando por elas em todos os cômodos. Encontrei uma amiga da família em uma porta de um quarto e entrei. Minha mãe estava se levantando da cama, como se soubesse da nossa chegada. Ela estava tranquila. Ou melhor, elas estavam tranquilas. A Gabi dormia ao lado da cama da mãe. No quarto havia um silêncio e um berço.

A mãe nos abraçou e nos apresentou à Gabi. Então ficamos com elas pelo resto do dia. À noite, nos despedimos. Nos reencontraríamos amanhã, em casa, foi o que a mãe nos disse na despedida.

Naquele dia, da notícia divina, o pai foi dormir com a gente, na outra casa, na que não era mais dele. Mas foi dormir com a gente, na mesma família, a que sempre foi nossa.

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