Não gosto de pet
- Lucão
- 14 de jul. de 2023
- 2 min de leitura
Eu gosto de cachorro. Mas não gosto de pet.
Acho o termo ruim. Me lembra um produto, não um cachorro ou um gato. Me faz pensar em consumo. E cachorro, para mim, é outra história. Ou melhor, são muitas histórias. Com pet não tenho nenhuma.
Na infância, tive muitos cachorros. Principalmente na casa das minhas avós. Morria um, aparecia outro. Ora preto, ora branco ou bege. Sem pensar muito, me lembro da Duda, uma cachorra preta que ficou na casa da avó materna por uma década. Era uma vira-lata de pelos pretos e compridos. Baixinha, pernas curtas. Quando corria, fazia um esforço danado, pois tinha que movimentar ligeiro as patas para sair do lugar. E seus pelos balançavam como se fossem os cabelos compridos de uma pessoa com cabelos compridos correndo. Não precisava pentear, Duda estava sempre arrumada, esta é a memória que eu tenho.
Outra lembrança: meus irmãos gostavam de dizer que eu tinha medo de cachorro. Mentira. Não tinha. Talvez eles tenham me visto com medo de algum cachorro, um instante de medo, não um medo eterno. Repetiram essa história por anos, até virar verdade. Mas não tenho medo. Falamos disso até hoje nos nossos encontros em família. O Lucas tem medo de cachorro... Eles soltam a frase no ar e vão embora, enquanto eu acaricio os pelos de algum cachorro por ali.
Na semana passada li uma notícia na internet que me deixou triste. A manchete era mais ou menos assim: “Talvez você esteja andando errado com o seu pet. Leia dicas de especialistas.” Demorei a lembrar que pet era cachorro e não uma garrafa de plástico. Aliás, eu compreendo a ideia de andar com o pet pela rua preso a uma coleira. Realmente entendo, sei que é preciso andar assim com o doguinho para que ele não fuja ou saia correndo ou morda alguém. Mas quando penso na cena do cachorro preso pelo pescoço ou peito, acho triste. A gente aprisiona o pet na nossa casa e, depois, para ele sair, só pode ser de coleira. E ele sai feliz, pois é isso que o cachorro-pet sabe sobre felicidade. E isso é triste.
Quando tentei traduzir a matéria para as minhas palavras, ficou pior: é possível que você esteja andando errado com o cachorro que você aprisionou no seu apartamento de cinquenta metros quadrados; talvez você precise de dicas para colocar uma coleira no seu pet e andar pelas ruas.
O pet, para mim, é um bicho mais triste que um cachorro. Um bicho mais preso, mais limitado, fadado a comer um produto industrializado chamado de ração, que nós inventamos depois que tiramos suas comidas suculentas. Talvez pet seja mesmo uma boa palavra para definir um animal entristecido.
Sei que estou pegando pesado. Talvez seja a emoção. Enquanto escrevo esta crônica, lido com a notícia que o Fred, o cachorro da minha irmã, o que vivia na casa da minha mãe há 15 anos, o que me viu virar adulto, morreu. Sinto que estou meio triste por ele. Sinto que estou meio pet.
Que tristeza é a morte de um cachorro. Que tristeza é a vida de um pet.
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