Medo da literatura
- Lucão

- 8 de mar. de 2024
- 2 min de leitura

Eu tinha pensado em tirar minha roupa na crônica desta semana. Porque também tinha reparado que ainda não tenho uma foto sem camisa nas minhas redes sociais. Fiquei com isso na cabeça, que precisava tirar minha roupa.
Cheguei a pensar que seria de menos falar sobre isso aqui na crônica do jornal. Mas aí, nesta mesma semana em que me veio a vontade de escrever sobre o meu nu, sobre o empenho que tenho que fazer para mostrar a minha pele na literatura, com medo do que os outros vão pensar, uma censura literária aconteceu lá no sul do país. E depois em outros Estados. E até em Goiás. Tudo por conta dos corpos que temos e que não podemos falar.
A obra premiada de Jeferson Tenório, o Avesso da Pele, que trata também do racismo e homofobia, foi censurada e impedida de circular nas escolas, mesmo depois de aprovada no Pograma Nacional do Livro Didático, mesmo depois de ganhar o Jabuti. E por que foi censurada? Porque ainda existem homens que têm medo da literatura.
Por um momento, fiquei constrangido de trazer para a crônica a minha dificuldade em tirar a roupa. Esse meu medo que me assombra de tempos em tempos, quando empurro minha história para um lugar mais próprio a fim de encontrar o que é meu. Mas não tem jeito. É sempre urgente tirar a roupa, tirar as fantasias para contar as histórias que o povo carece ler. E a censura ao livro de Jeferson Tenório é a prova de que o povo carece ler, aprender, conversar e expor os seus corpos.
Não há literatura mais poderosa para evocar agora do que a que eu repetidamente cito, de Eduardo Galeano, que fala assim: “A Igreja diz: o corpo é uma culpa. A Ciência diz: o corpo é uma máquina. A publicidade diz: o corpo é um negócio. E o corpo diz: eu sou uma festa.” E ninguém pode parar essa festa.
Foi minha mãe que mais me educou sobre o meu corpo e minha sexualidade, mesmo com as dificuldades que tinha, herdadas de pais que não falavam sobre corpos e sexo. Minha mãe aprendeu estudando, lendo livros, preparando a casa com uma biblioteca diversa e tentando, como podia, me ensinar. Mas foi a literatura que mais me colocou em contato com o mundo que esses homens tanto temem em falar.
Por isso é urgente falar sobre os assuntos que eles não querem que fale. Pois é sobre o pilar do medo que esses homens ficam de pé. Se derrubarmos essas estruturas frágeis, eles caem. Precisamos mostrar nossos corpos e contar as outras histórias, as que representam nosso povo, nossa cultura e nossa curiosidade. E são elas que revelam absurdos, como a censura.
É urgente tirar toda a roupa e ficar em paz, afastar esse monstro que tenta impedir a gente de ver. Que adia os outros prazeres que podemos ter com os nossos corpos e histórias.
É urgente tirar as roupas. É urgente fazermos o contrário do que eles querem. Para que nas próximas vezes que formos convocados, saibamos distinguir pelas peles expostas, os avessos que importam dos que são só fetiches deles.






Comentários