Eles mentiram para a mãe. Disseram que eu tinha abaixado minha calça para uma garota, e que por isso eu tinha fugido da escola.
Eu só soube dessa versão trinta anos depois que fugi da escola do jeito mais simples: girando a maçaneta do portão e fugindo. Nenhum segurança me impediu, nenhum professor ou professora me viu fugir, os diretores trancados em suas salas confortáveis não deram notícia da fuga.
Mas depois que fugi, inventaram a história da calça arriada para não assumirem a responsabilidade no episódio. Eu fugi porque a professora era uma megera. Não precisei pular o muro ou nenhum esforço maior do que girar a maçaneta do portão e sair.
Duas horas depois, fui resgatado pelos próprios diretores. A poucos metros de casa, eu caminhava no canteiro central na avenida principal da cidade quando pararam o carro do meu lado e me mandaram entrar.
Isso explica o que vivi naquele dia depois da captura. A forma carinhosa com que me trataram quando eu entrei no carro; os semblantes amedrontados que dirigiam a mim quando se viravam para o banco de trás do Del Rey; o jeito com que falaram comigo enquanto fiquei por duas horas enclausurado na sala da diretoria.
Me perguntavam o tempo todo como eu estava. Claramente, só eu estava bem.
Foi lá que articularam a mentira que deixaria a minha mãe envergonhada e a faria se sentir culpada pela fuga. Enquanto fiquei sentado sendo tratado como um bebê, eles tramavam o conto. A culpa seria de uma mãe que não educava o seu filho direito.
Minha mãe nunca tinha me contado a versão do filho pervertido. Uma mentira tão bem articulada, que não levantava suspeitas. A não ser agora, quando relembrei a história da escola e a mãe me revelou o que haviam contado para ela. Meu irmão gêmeo estava comigo antes de eu fugir da escola e confirmou à mãe que eu não tinha abaixado minha calça para ninguém.
“Mas foi isso que os diretores disseram”, ela insistiu como se fosse uma vítima também. Uma mentira tão concretizada, como uma parede grossa de concreto, impossível de ser derrubada. Minha mãe não me bateu quando eu fugi. Eu deveria ter suspeitado, pois ela me bateria se soubesse que eu tinha fugido por nada, ou por uma professora megera. Agora entendo bem por que não apanhei naquele episódio. Minha mãe também tinha medo. Medo de que eu me tornasse um adulto pervertido que abaixa a calça para mulheres quaisquer. Um homem sem educação, sem respeito, sem mãe. Ou um homem como os outros homens que ela havia conhecido. Não. Seu filho não.
Nunca falou sobre sexo comigo. Não de uma forma que eu pudesse gostar, não naquele tempo, não de um jeito natural, como filhos deveriam ser educados. Falou com receio, tateando o assunto, falou com medo e me passava medo também. Alertava sobre o perigo e sobre outras coisas que homens não podiam fazer. Ela dizia: “Não faça isso”, “Não faça aquilo”, “Não faça nada ou vai engravidar uma garota”. E por muito mais tempo que os meus amigos, eu não fiz.
Mas como uma parede de concreto que, de tanto apanhar de marreta, um dia quebra, eu tive que quebrar o meu medo sozinho. E foi um desmoronamento gostoso demais.
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