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Homens ruins


São duas histórias parecidas as que vou contar aqui.

Em 2017, enquanto fazia o Caminho de Santiago, conheci Maitê, uma peregrina de Barcelona. Foi no meio da Espanha, na saída de Burgos, que nos cruzamos. Ainda não eram sete horas da manhã quando, ao chegar numa bifurcação, avistei-a parada à minha frente, procurando pelas setas que indicavam a direção certa. Antes de me aproximar, ela seguiu pela direita. Eu também fiz uma pausa para me certificar da direção, quando vi uma seta amarela apontada para a esquerda. Ei, peregrina, é para cá!, gritei, enquanto ela caminhava firme rumo à direção errada. Ei, peregrina, es por aqui!, falei com sotaque espanhol, para ver se me ouvia. Então ela se virou e eu insisti, es por aqui! Assim ela voltou e verificou a seta. Si, és por aqui!

Aquele era o seu primeiro dia no Caminho, eu soube em seguida.

Seguimos juntos pelo resto do dia. E por mais oito dias. Assim descobri que ela era de Barcelona, e soube de outras histórias, mais íntimas. Ficamos amigos. E em um desses dias de caminhadas longas, me contou que tinha terminado um namoro recentemente. E que fazia o Caminho para se reencontrar consigo. Ele não foi legal comigo, ela dizia.

Maitê só caminhou por


dias. Parou em León. Mas antes de chegarmos à cidade, me disse que ele, o ex, também estava caminhando, e que havia chegado a León no dia anterior. Ele a esperava para uma conversa. Me contou essa história como se sentisse vergonha de si. Na época eu não percebi como aquela história era triste.

Em 2022, atravessando Portugal a pé, conheci Mary, outra peregrina espanhola, agora do sul do país. Nos encontramos sem querer pela estrada. Mary mancava muito. Foi como começamos a conversar, sobre sua dor. E desse dia em diante, nos reencontramos todos os dias, bebemos vinhos, falamos de histórias íntimas também. Mary havia terminado uma relação antes de ir ao Caminho. E, pelo mesmo motivo de Maitê, caminhava. Para esquecê-lo e lembrar-se de si.

Foi no dia em que chegamos a Santiago, andando pelo centro histórico da cidade, que Mary ficou diferente. Percebi que tinha alguma coisa acontecendo quando, em uma das ruas históricas, onde só pessoas podiam trafegar, cruzou com um rapaz que estava em um outro grupo de peregrinos. Primeiro, se cumprimentaram de longe. Depois, ela me puxou, me apresentou rapidamente ao rapaz, trocaram mais algumas palavras frias e se despediram. Daí em diante, Mary ficou estranha. Mais tarde, nos despedimos em definitivo, voltei ao meu albergue. Mary voltou para casa.

Um mês depois de regressar ao Brasil, vi um post de Mary na rede, uma foto sua com aquele mesmo rapaz que encontrou em Santiago. E um coração na legenda. Depois vi outras fotos mais antigas dos dois espalhadas pelo seu perfil. Maitê também fez coisa parecida depois que nos despedimos em León, em 2017. Publicou fotos com um rapaz, o mesmo que aparecia em outras fotos antigas em sua rede social.

Eram duas histórias parecidas, iguais às que as pessoas aprenderam a gostar, com finais felizes. Mas do que valem os finais felizes se a jornada é triste? Pensei nisso agora.

Para mim, eram duas mulheres tristes com homens ruins.

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