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Heranças do barão




Eu tinha, aproximadamente, 13 anos quando nos mudamos para Goiânia, num desejo da minha mãe de empreender. Ela queria dar um tempo na Psicologia para virar empresária. Para isso, investiu o dinheiro que tinha e o que não tinha numa revenda de cosméticos e partimos para capital.


Passamos um ano nessa empreitada, que não deu muito certo financeiramente, mas foi boa para fugir um pouco de tudo. Nos divertimos, renovamos os ares, refrescamos a vida. Penso que era isso que a minha mãe mais queria, renovar o ar, respirar. Cuidar de quatro filhos, da carreira e ainda da família, que sempre corria para ela quando a coisa apertava, não devia ser fácil, né, mãe?


Nós, os filhos, éramos pequenos e foi uma farra dar essa escapulida. Fizemos novos amigos, conhecemos lugares diferentes e moramos em um apartamento agradável. Lembro que a casa tinha muitos cômodos e uma cozinha espaçosa com uma janela que dava para a sala. A gente gostava de ficar debruçado nessa janela conversando.


Mas, como eu disse, essa empreitada não deu muito certo, durou só um ano, e tivemos que voltar, com uma mão na frente e a outra atrás. Para investir na empresa, minha mãe havia vendido o apartamento que tínhamos há anos. No nosso retorno, fomos morar por um tempo na casa dos nossos avós, num lugar cheio de afeto, mas muito pequeno. Ao todo, éramos oito: meus avós, minha tia, minha mãe e nós, os filhos. Não foi fácil.


Nós quatro dividíamos um quarto com a mãe. Era um cômodo pequeno: tinha um armário velho num canto, uma escrivaninha de madeira antiga em outro e cinco camas: duas beliches e uma de solteiro. Um aperto, que no começo tinha sua graça, mas só no começo.


Lembro-me de um sentimento ruim que nutri, coisa de adolescente querendo seu espaço: a vergonha. Tinha vergonha de morar assim e não poder ter um quarto só meu. Estudávamos em uma escola de classe média, uma exigência da mãe para o meu pai, ela não aceitava economizar com estudos. Nessa escola, quase todos moravam bem, em casas grandes de muitos cômodos. Tinha vergonha de não viver como eles.

Teve uma noite que choveu bastante em casa, a ponto de entupir a calha do telhado e fazer chover pelos cômodos. Uma bica se formou na sala, molhando o armário que a minha mãe usava para guardar os livros. Fiquei triste. Foi como se a chuva dissesse que já não nos cabia por ali. Eu também desaguei.


Pouco tempo depois, curiosamente, surgiu nessa casa uma história de um tataravô, que seria barão “de não sei o quê” e que teria deixado uma herança pra família. Na época, eu não entendia a história do tataravô, mal sabia o que era um barão, mas entendia o termo herança e comecei a imaginar uma vida melhor. “Onde iríamos morar quando o dinheiro chegasse? Como seria a nossa casa?” Já pensava em chamar os amigos pra passar o dia na nossa casa grande. Imaginava dormir em um quarto só meu. Ficamos um bom tempo remexendo nessa história, sonhando, esperando o dinheiro aparecer. Até que...


Com um ano, nos mudamos dos avós. Minha mãe alugou um sobrado, voltamos a ter nosso espaço e a vida seguiu melhorando um pouquinho a cada dia.


Hoje, recordando, entendo melhor o poder que as histórias têm. Ler e ouvir boas histórias são formas de ocupar nosso tempo com a imaginação e cobrir de esperança os momentos ruins.


Aprender sobre a força das histórias foi a melhor herança que eu poderia ganhar.

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