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Gente que não sabe amar



Nunca vi meus avós se beijarem. Nem na boca nem no rosto.


Os avós maternos foram os que eu mais convivi, mas nunca, em momento algum, eu os vi se beijando. E agora, ao pensar sobre isso, me dou conta de que também nunca presenciei os dois se darem as mãos.

 

Essa lembrança me levou a outra.

 

Meus pais se divorciaram quando eu ainda tinha seis anos. No entanto, me lembro com clareza do episódio da separação e de algumas outras memórias que rodeiam a história. E me dei conta de que também não tenho uma memória dos meus pais se beijando ou ao se dando as mãos. A cena mais antiga deles juntos é a de quando nos chamaram no quarto para nos dizer que iam se separar. Eles estavam deitados na cama e nós, na época três filhos, nos deitamos com eles para ouvir a história do divórcio.

 

Na família da mãe, quase todos os tios se casaram e se separaram. Só a minha tia beata nunca se casou, nem apareceu na casa dos meus avós com um namorado para nos apresentar. Não lembro da tia se engraçando com ninguém. Se entregou à fé, se casou com a igreja.

 

Na família do pai, sei contar por alto as histórias amorosas, até porque era uma família grande, de onze tios e outros agregados que o vô e a vó traziam para cuidar. Mas o pouco que sei é o seguinte: quase todos os tios se casaram; desses, metade se divorciou; os que não se casaram, se entregaram à fé ou às drogas; um ou dois sumiram da família.

 

Sobre mim, desde que comecei a amar, tive muitas histórias de amor. Me lembro de, no começo, meus namoros não durarem mais de três meses. Ajustei. E quando passei a barreira dos meses, namorei por quase dois anos um amor com cara de eternidade. Não foi. Na faculdade, tive mais três namoros no molde eterno. Não foram.

Estatisticamente, meus amores não iam bem, mas meu fôlego para amar estava maior. Daí, no meio dos amores longos, um namoro de três meses quase acabou com o meu pulmão. Pensei que não poderia mais amar. E pude. N’outro amor, me casei na igreja e, por cinco anos, ficamos juntos, até que o divórcio nos separasse. Tive mais um amor eterno, de uma pandemia e um ano, moramos juntos nos últimos meses e nos separamos juntos também.

 

Por fim, agora, estou namorando de novo, tentando romper minhas marcas e abandonar as heranças. Como os meus pais fizeram, como os meus tios tentaram, como os meus amigos ainda fazem... Há amor em tudo. Não existe um curso que dê conta de ensinar uma forma simples de amar. Cada pessoa ama com o que tem, mesmo sem saber que ama.

 

Sou filho de gente que amou demais. E mesmo onde não parecia existir, nascia um pé de amor, resistente às secas e às enchentes. Tem gente que não sabe a amar, mas ama. Como nasce uma árvore no Cerrado, retorcida e seca, mas de pé, tem gente que não sabe amar, mas ama.

 

E há beleza em todo pé de amor. Até nos que brotam em meio à dureza do asfalto.

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