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Frio e sombrio


Era fim de noite. Estávamos na porta de um restaurante que imitava uma caverna. E o jantar tinha sido frio e sombrio, com conversas ríspidas, intercaladas por silêncios que doíam mais do que as conversas.


Era Dia dos Namorados. E como quem vai a um hospital cuidar de uma ferida, saímos para jantar. Mas a ferida era grande demais para sarar naquela noite. Brigamos tanto, que mal ouvi o pianista que tocou na caverna; mal provei as carnes, os queijos, os pães; tomamos duas garrafas de vinho e não me lembro do vinho. Foi uma noite cara e de sabor algum.


Na saída, depois de tantas palavras ruins, ela me chamou e disse que queria se casar. Você topa? Vamos nos casar, ela dizia enquanto eu ainda tentava digerir as ofensas. Fiquei espantado, não conseguia parar de rir. Não houve pedido de desculpas, nem acertos, nem uma tentativa de nos entendermos antes. Foi entre uma frase ruim e outra que ela disse que queria se casar comigo.


Eu já não acreditava nela.


Estávamos no terceiro mês da relação. O último mês do namoro mais curto que tive. E o mais prolongado.


No primeiro mês, na porta da casa do meu pai, ainda dentro do carro, ela disse que eu deveria me entregar mais ao amor. Naquele dia eu ainda não tinha pensado na hipótese de amá-la. Mas eu deveria me entregar mais, ela repetia. Então eu aceitei o chamado, mesmo sem saber o que mais eu poderia entregar de mim.

No começo, nos divertíamos, como fazem os casais quando ainda mal se conhecem. Tinha a graça e o fogo. Mas nos meses seguintes fomos ao inferno. Na época, minhas amigas, que também eram colegas dela, tentaram me alertar dizendo que a gente não combinava. Eu escutei, mas não concordei. Naquele tempo eu só sentia desejos — agora, quanto mais me lembro da história, mais sinto vergonhas também.


No segundo mês, ela sumiu por um fim de semana. E eu acreditei que ela estava trabalhando. Ligava e não me atendia. Mandava mensagem, não me respondia. Mas na segunda-feira me ligou, disse que tinha sido internada. A causa: excesso de trabalho. Eu acreditei. Me disse que isso acontecia de tempos em tempos. Ficava exaurida, passava mal. Aí se internava para tomar soro e remédios. Eu acreditei.


Depois, quando terminamos, soube que era mentira. As mesmas amigas me chamaram para me contar a verdadeira história. Ela tinha uma outra pessoa, um ex-namorado que morava fora, mas que quando voltava, a procurava. E eles ficavam juntos o fim de semana todo.


Eles, sim, se amavam. Eles, sim, se entregavam um ao outro. Ou se enganavam muito bem.


Depois do término, passei alguns meses recebendo telefonemas no meio da noite. Era ela bêbada querendo me ver. Ia para a porta do meu prédio e gritava meu nome. Eu avisava o porteiro que ela não podia entrar e voltava a dormir.


Um ano depois, nos reencontramos no corredor de um shopping. Eu já estava namorando outra pessoa. Ela me viu de longe, veio em minha direção, acenou com as mãos, como fazem os bons amigos e abriu um sorriso. Eu não acreditei.


Olhei em seus olhos, virei para o outro lado e fui embora. Frio e sombrio, como fazem as cavernas.

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