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Eu não sei vender meu peixe


Anteontem uma amiga me ligou para pedir conselhos. Ela estava arrasada com o fim de uma paixão. Queria uma ajuda do poeta que escreve sobre o amor para afagar seu peito, uma palavra milagrosa que tirasse aquela dor do seu corpo. Mas eu não sei vender meu peixe.


“Você se considera um guru do amor?”, foi a pergunta que uma jornalista me fez enquanto preparava uma matéria para o Dia dos Namorados. “Não! Jamais! Meu deus!”, e continuei pensando “Como chegamos até aqui? Estávamos falando de poesia e agora em gurus...”.


Eu odeio esse lugar que os escritores ocupam, de guru do amor. Eu sou divorciado e isso deveria me descredenciar. O meu alívio é que nessas horas me lembro que sou terapeutizado, e que isso que as pessoas pensam sobre mim também é mérito da literatura que convence.


Para a minha amiga, o que eu disse, na literatura é um clichê: “Com o tempo isso vai passar”, e em seguida, uma reviravolta literária: “Mas logo você entrará em outro amor que te deixará pior, então faça terapia”. Para a jornalista, eu disse que ela poderia colocar minha fala na matéria desse jeito: “Não! Jamais! Meu deus!”.


Já pensei em andar com o cartão da clínica de terapia da minha mãe na carteira, para dar ao povo o que é do povo: consciência. Se hoje eu não sou um “guru do amor”, o mérito é da minha terapeuta.


Quando digo essas coisas, principalmente numa roda de conversa sobre literatura, me acham racional demais para um poeta. Sim, eu não sei vender meu peixe. Eu deveria abraçar o que dizem sobre nós que escrevemos poesia, que somos oráculos do amor, além de “vagabundos”, “boêmios” e “mulherengos”. Isso sim é que vende literatura neste país.


Mentira. É a boa contação de história


É romântico pensar no escritor assim. Ou melhor, é machista, pois foi desse jeito que os homens se firmaram na literatura. Passei a odiar Mario Vargas Llosa quando o li dizendo que literatura sem sexo não é literatura. O macho querendo transar é um adulto birrento, pensei. O povo machista também ama o macho falando de sexo. Daí fui recordar das minhas escritoras preferidas, como Adélia Prado, Elisa Lucinda, Cora Coralina, Conceição Evaristo, Elena Ferrante, Joan Didion... Elas falam de sexo, mas não precisam segurar um falo para vender seus peixes. Depois li em um jornal o próprio Vargas Llosa revelando que se fosse brasileiro votaria no Bolsonaro. Deu até saudade da literatura do Olavo de Carvalho.


Não, eu não sou racional. Quando me sento para escrever, é com paixão que escrevo. Mas me sinto obrigado a explicar que meus amores também são minha família, meus amigos, meus livros, minhas invenções... Eu não preciso que o sexo esteja na minha mão para fazer literatura. O que eu preciso é de terapia para lidar com a timidez que ainda me impede de escrever tudo que quero — e que, por vezes, me atrapalha a transar.


E talvez eu precise de um guru de vendas que me ajude a vender melhor o meu peixe.


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