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Condenado a voltar

  • Foto do escritor: Lucão
    Lucão
  • 12 de jan. de 2024
  • 2 min de leitura


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Quando Joaquin deixou sobre a minha cama um pequeno pacote de chicletes de menta, eu ainda não sabia que ali eu havia sido condenado a voltar ao caminho outras vezes.


Então eu voltei ao Caminho por mais duas vezes. Por enquanto. Mas por quê?


Essa é uma pergunta que ouço constantemente quando conto das minhas três caminhadas a Santiago de Compostela. Por que fazer o Caminho mais de uma vez? E apesar de eu já ter dado várias respostas para a mesma pergunta, talvez só agora eu saiba dizer certamente o porquê.


Eu voltei para pagar minhas dívidas. Isso eu aprendi a duras penas, mas aprendi bem: que quem caminha a Santiago acumula dívidas.


Quando eu pensava que não precisava de outras pessoas, que eu podia caminhar sozinho pelas estradas da Espanha e Portugal, o Caminho me ensinou a ser mais gentil. Em 2016, no meu primeiro ano, quando minha perna começou a doer e passei a caminhar mais lento do que os meus amigos, eles passaram a caminhar comigo. Não quero dizer que eles não me abandonaram, pois não seria justo falar em abandono sobre uma jornada que eu não havia sido obrigado a fazer. Mas Joaquin e Luca, de cinquenta e setenta anos respectivamente, caminharam o restante do tempo que tinham comigo, no meu ritmo mais lento, por mais de cem quilômetros. Me incentivaram, me fizeram companhia, dividiram quartos, jantares, bebidas e risos. E o meu Caminho, que seria só de dor, foi de amizade também.  


No ano seguinte, em 2017, voltei ao Caminho para pagar as gentilezas que eu havia recebido de Joaquin e Luca. Escutei mais os peregrinos, dividi com outros iniciantes o que eu havia aprendido no ano anterior e abracei algumas dores. Comprei balas no mercado e dei a uma amiga que sentia nas pernas o peso da caminhada. Paguei, de certo modo, a dívida que eu havia acumulado na outra jornada. Não sem ainda me machucar outra vez e receber, sem ter pedido emprestado, mais afeto de Carlos e Sebas, dois novos amigos que cruzaram a minha segunda jornada. Fiz outras dívidas.


Então, pelo terceiro ano, voltei a Santiago, com o intuito de quitar de uma vez por todas os meus empréstimos. Fiz um caminho mais reservado, para evitar as gentilezas sem eu pedir. Eu não poderia mais voltar, já estava cansado, precisava de um tempo da peregrinação. Então caminhei sozinho, conversei menos, sentei-me em mesas menores nos cafés, para evitar que outros peregrinos me emprestassem mais afetos.


Foi no último trecho, quando eu já havia doado os meus bastões a um peregrino que andava com dor, e passado a minha lanterna a uma peregrina que caminhava sem luz, quando eu já havia quitado meus últimos empréstimos, que Jane, da Espanha, me viu chorando e me abraçou. Eu estava feliz pela minha terceira chegada a Santiago, dessa vez sem machucados e sem dívidas. Mas Jane quis me emprestar aquele abraço, como se me dissesse que, por mais que eu tentasse, as dívidas jamais seriam pagas.


Então celebramos juntos a chegada. Bebemos uma garrafa de vinho na Taberna do Bispo, comemos tapas sem pensar em valores e, na hora de pagar, paguei sozinho a nossa conta.


No próximo ano você paga, eu repetia a Jane enquanto ela insistia em dividir. No próximo ano você paga.

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