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Ching ling lin


Hoje, no dia em que escrevo esta crônica, acontece a missa de sétimo dia da vó, a última personagem do grupo dos avós a deixar a família. A que dizia que ia passar um café e passávamos. A que, ainda na semana passada, tomava um café comigo.


Hoje é a missa, e também é dia de sentir tristeza por não poder estar na missa. E por minha vó também não estar, nem nas igrejas, nem em casa, nem na cozinha passando um café. Hoje é o sétimo dia da sua ausência em todos os próximos dias.


Quando pequeno eu não gostava de ir à missa. A qualquer uma. E odiava as do sétimo dia, as mais tristes.


Mas me lembro de quando deixei de ter ódio. Foi quando perdi meu avô. Recordo do sétimo dia. Inclusive, me lembro que eu já escrevia, que já era poeta, mas que foi o meu irmão quem fez o texto do vô, o que foi para o panfleto distribuído aos que estavam presentes na igreja. Um texto emocionado, com a saudade que todos nós sentíamos, e com poesia. Uma costura de palavras que nos fez chorar na missa do sétimo dia. E no oitavo e no nono.


Lembro da gente chegando à missa do vô e chorando. Como estávamos emocionados naquela despedida... Foi uma partida longa, que durou uma semana. Despedir-me da cena do vô caminhando torto pela casa foi a parte mais sofrida. Depois, no velório, nos despedimos da sua graça; no funeral, do seu corpo; na missa, do amor que nos deu; e nos outros dias, das memórias, cada dia mais escassas.


Agora perdemos a vó, a última do meu grupo de avós. E eu não estarei na missa. Perdi a vó e, dessa vez, também perdi a despedida. Logo eu que odiava as missas de sétimo dia, estou odiando não poder estar na igreja para ouvir as palavras do padre, enquanto vagueio pelas lembranças. Odeio não poder chorar na missa enquanto penso em como a vó vai fazer falta, como o café vai fazer falta, a risada, os olhos brilhando quando a gente fazia graça, o aparelho de escuta sendo colocado na orelha para ouvir as graças repetidas por nós... Isso está fazendo falta agora.


Na última vez em que a vi, ela estava na cozinha, sentada na cadeira, com os braços esticados sobre a mesa, esperando a comida ficar pronta. A vó cantou uma tarantela napolitana chamada That’s Amore. Cantou em português, na versão que sabia. Falava de amor, mas a parte que eu mais gostava era a que ela cantava balançando os braços: “Ching ling lin / ching ling lin / ching ling lin”.


Amanhã vai ser o oitavo dia, e vai ser o dia mais difícil. O dia em que ninguém espera mais a missa para lembrar, e todos terão que se agarrar ao passado para que a vó permaneça sentada na cozinha, com os braços esticados sobre a mesa, esperando a comida ficar pronta, e cantando.


A missa, provavelmente, está acontecendo agora. O padre, provavelmente, está rezando e citando os nomes dos que se foram nessa semana. E minha vó, provavelmente, está balançando os braços e cantando “ching ling lin ching ling lin ching ling lin”.

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