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Até a próxima chamada


Antes de desligar a chamada, minha mãe me disse, de um jeito que poucas vezes eu ouvi sair de sua boca: “Filho, eu te amo muito”. Ainda deu tempo dela me ver emocionado. “Eu também te amo muito, mãe”. E desliguei.


Desde pequeno a gente se declara, mas não desse jeito, hiperbolizado. Por isso me pegou desprevenido e me fez chorar. Nosso amor, sem dúvida, merece a hipérbole, o exagero.


É verdade, a gente se ama muito. Eu só não tinha reparado.


Eu poderia explicar a minha obra, meus textos, poesias e prosas, que constantemente falam de amor, contando esse pequeno trecho da minha vida. Um resumo do que a gente se dá desde que eu nasci: amor. É que de onde vim a gente aprendeu que amor é coisa grande.


Voltando à conversa de mãe e filho, ouvir minha mãe me dizer que, não só me ama, mas que me ama muito, colocou minha vida no eixo, estancou o sangramento, fez sumir a minha dor.


Fui eu que pedi a ligação para conversar sobre um aperto no meu estômago. Pedi porque sabia que ela ia atender, era um pedido de um paciente para uma terapeuta, mesmo sabendo que minha mãe não pode ser minha terapeuta. Quem atendeu então foi a minha mãe, contando histórias, falando do que tem vivido. Ficamos um tempo conversando sobre amenidades e outras dores, as dela, até eu abrir meu peito para a mãe costurar. E ela foi costurando devagar, me ouvindo e passando a linha com cuidado nos locais abertos. Minha mãe costura bem.


Fez isso a vida inteira com a gente. Na menor abertura da pela, numa feridinha no joelho ou no coração, estava minha mãe com a linha e agulha, ajudando a fechar o machucado. Não me lembro de feridas abertas por muito tempo nessa família. Todos nós, os quatro filhos da Marta, na menor dor, fomos cuidados por ela.


Aí comecei a fazer poesia com dezessete anos, falando de amor, e as pessoas ainda insistem em saber de onde vêm minhas inspirações. Pensam que estou o tempo todo amando um amor romântico. Eu amo amores românticos. Mas a verdade é que os românticos, ao menos os últimos, foram quase sempre os motivos das minhas conversas com a mãe. As feridas, os medos, as dores, só o amor da Marta soube costurar.


Quando minha mãe me disse que me amava muito, parei de pensar nos outros amores. Fiquei nesse grande amor, nessa forma franca de sentir e dizer. Eu estava me sentindo com medo, outra vez, por já ter tentado e não ter conseguido, não ter vivido o amor que desejo viver.


Então saí da ligação com esta ideia. Eu não só mereço como também posso viver meus amores com a mesma hipérbole. Posso encarar o amor de frente, numa chamada de vídeo que seja, mas de frente, não de costas, não fugindo, não mentindo, não com medo... Que o amor não é isso. O amor é gostoso de dizer.

Já escrevi que os “amores maduros não caem do pé”. Mas eu mesmo já caí algumas vezes. E estou de pé outra vez. Porque minha mãe costura. E eu, como seu filho, já até aprendi a fazer os meus próprios pontos.


Mas enquanto estivermos juntos, mãe, vou fingir que não sei. Só para te ouvir dizer que me ama muito. E que eu te amo muito também.



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