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"Vou passar um café"


Na última vez em que estive na casa da vó, foi meu irmão mais velho que fez o café.


Na época do vô, há uns vinte anos, normalmente era o próprio vô que preparava o café. Podíamos chegar pela manhã ou à tarde, ele dizia: “Vou passar um café”. E a casa se enchia com o aroma que vinha da cozinha.


Era um ritual fazer café quando as visitas chegavam, mesmo que a garrafa estivesse cheia. E sempre tinha uma garrafa cheia sobre a mesa, rodeada por xícaras viradas para baixo e um paninho de seda sob a garrafa e as xícaras. O vô e a vó gostavam de deixar a mesa pronta, como se esperasse, a qualquer hora, uma visita. Naquela casa, sempre tinha alguém por chegar.


Ainda no tempo do vô, também tinha chá. Ele gostava mais de chá do que de café. Mas fazia os dois, para agradar todo mundo. Quando eu chegava com meus irmãos e minha mãe, era comum o vô dizer: “Vou fazer um chá para os meninos”.


O vô era viciado em chá preto — aprendemos a tomar com ele —, então ele coava o mate, depois abria um saco de pães, passava manteiga no pão e o mergulhava no chá. Também aprendemos isso com o vô, a molhar o pão no chá para comer.


Quando ele se foi, o café continuou sobre a mesa. O ritual de espalhar o aroma pela casa se manteve com a vó. Era uma tradição que não podia se quebrar. A gente chegava e a vó dizia: “Vou passar um café”. E passava. Depois aparecia na sala carregando uma bandeja de metal cheia de xícaras. “Você quer café?”, ela perguntava um a um, enquanto servia a bebida.


Há alguns anos, minha mãe foi morar naquela casa para ajudar a cuidar da vó, e aos poucos herdou a função de fazer a comida e o café.


Com o tempo, minha mãe começou a assumir a cozinha toda, e a fazer, no lugar da vó, os nossos pratos preferidos. A gente dizia que ia lhe visitar e ela nos deixava escolher o cardápio. Eram comidas mais saudáveis, mas não menos saborosas. Aí, depois do almoço a mãe repetia: “Vou passar um café”. E a casa continuava igual, ao menos pelo cheiro.


A vó sempre foi muito saudável, adoeceu pouco na vida, tanto que quando pegava um resfriado, contava a história por meses, como se tivesse adoecido de verdade. Ainda tem muita saúde, mas, naturalmente, a vida foi ficando pesada depois que passou dos oitenta anos. Hoje a mãe e a tia são as que cuidam da vó, essa senhora lúcida, que ainda adora beber o café feito nessa casa.


Há poucos dias, estive com meus irmãos. Passei uma semana na casa do mais velho e uma noite na casa do meu gêmeo. Pelas manhãs, as cozinhas tinham o mesmo aroma da casa do vô e da vó e da mãe. Eu não estava na casa dos irmãos. Estava nas lembranças afetivas da nossa família. Estava na saudade.


No último domingo, fui à casa da minha mãe — que também é a casa da tia e da vó, a mesma e antiga casa do vô — e quem passou o café foi meu irmão mais velho. Ele não disse que ia passar o café.


Quando a casa se encheu do mesmo cheiro de antigamente, foi como se escutasse meu avó dizendo: “Vou passar um café”.


E o café nunca passa.

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