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Um coração inadiável


Queria escrever uma crônica alegre, mas esses dias ando choroso demais.


Inclusive, já tive mais medo de falar sobre isso, os choros. Ainda tenho, mas se eu não carregar o coração nas mãos, hoje sinto que não estou vivendo. É assim que eu vivo.


Carregar o coração não é fácil. E dificulta quando tenho que carregar mais de um. É preciso ter equilíbrio com dois corações fora do peito. (Não se incomode com as repetições do “coração”, são as batidas do texto). Também é comum que me arremessem corações de qualquer jeito, sem embrulho, sem cuidado, despedaçados e afiados, a cortar o rosto, a sujar a roupa de sangue.


Quando eu era mais jovem, na casa do pai, tive o coração quebrado pela primeira vez. Meu pai me ouviu chorar na madrugada, acordou e me abraçou. Me deixou no choro por horaS e disse que era assim que os sentimentos iam embora, com as águas. Eu chorava, doía, mas sentia, como ele dizia, a dor escorrer.


No outro dia, meu pai me deu um violão e eu troquei tristeza por música. Compus, montei banda de rock, e o coração aprendeu a bater n’outros ritmos. “Não é só o amor, não é só o amor...”


Uma coisa bonita que aprendi com minha mãe foi a não ter medo de fazer o coração bater mais forte. Me lembro das ligações, de quando eu estava na Espanha e me sentei no meio-fio para não cair ao receber as belezas que a mãe dizia. Eu estava aprendendo a dizer as coisas do peito.


Foi ela que me ensinou que é bonito carregar um coração forte nas mãos. Fiz terapia, aprendi outros ritmos, outras batidas, vivi novos amores, senti mais saudades, avancei sobre os medos, e o coração crescendo, feito bolo de farinha no forno...


Também aprendi a saber mais de mim através do que sentia. E hoje sei um pouco mais sobre que o que aquieta o meu peito. É o choro. Como o que eu chorei na camisa do meu pai. Eu choro, e não há tristeza nem alegria que hoje exista sem que eu produza algumas lágrimas. Não consigo segurar nem esconder, eu choro.


Só de escrever sobre os meus choros, eu choro também. É verdade, estou sensível. Chorei na semana passada, chorei ontem. Não me conheço mais nas secas. A falta d’água, sim, é meu lugar confuso. Por isso, não é tão difícil de prever que vou chorar amanhãs...


A falta das águas nos outros também é um lugar confuso para mim. Quando não há choro, quando não se comovem, quando não vejo os corações batendo nas mãos, fico sem saber, não entendo o que querem dizer. É o peito quem diz melhor as coisas que as pessoas sentem. O resto é ruído.


Bom, enfim, acho que estou melodramático até para mim. Vou fingir que não estou chorando para terminar essa crônica, mas queria terminar diferente de como a comecei. Queria terminar feliz.


Fui buscar na poesia uns versinhos para encerrar o texto com o astral para cima, e encontrei Antonio Ramos Rosa, poeta português, que disse assim: “Não posso adiar o coração.” E é só isso. Agora tudo que escrevi parece em vão.


Mas, enfim, desculpe o choro. Logo passa. E obrigado aos meus, que me fizeram assim, inadiável.

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